A possibilidade da pessoa jurídica ser considerada consumidora e de perceber reparação por danos morais.

03 de Junho de 2019

A possibilidade da pessoa jurídica ser considerada consumidora e de perceber reparação por danos morais.

Inicialmente, cumpre destacar aquilo que preconizado pelo artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, que dispõe sobre a proteção legal conferida pela lei que determina que todos serão tratados de forma igualitária, sem distinções de qualquer natureza e, ainda, ressalvando àqueles que se sentirem agredidos, o direito de resposta, bem como indenização pelos danos materiais e morais suportados, assim vejamos:

  • art. 2° - consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire o produto como destinatário final;
  • art. 3°- fornecedor é toda pessoa física ou jurídica que desenvolvem, entre outras, atividade de comercialização de produtos

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

[...]

II – Carros de repasse

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

Em se falando de direito do consumidor, poder-se-á aplicar tal disposição em conjunto com o princípio da dignidade da pessoa humana, que é o preceito basilar utilizado na elaboração do Código de Defesa do Consumidor.

O referido código foi entabulado com vistas na criação de mecanismos de proteção que confiram ao consumidor a possibilidade de estar em pé de igualdade com qualquer fornecedora de produto ou prestadora de serviço, fazendo valer os princípios já mencionados da igualdade e dignidade pessoa humana.

A criação desses mecanismos foi essencial para que se pudesse preservar os direitos dos consumidores, uma vez que esses são, notoriamente, parte hipossuficiente em uma relação de consumo e, a inobservância de tais instrumentos pode resultar em um injusto mal àqueles a quem a lei deveria proteger.

Contudo, nem todos fazem jus à utilização dos princípios incutidos no Código de Defesa do Consumidor, sendo que o legislador foi cuidadoso ao apontar aqueles que mereceriam a tutela da lei, e que poderiam se beneficiar dos mecanismos de proteção nela existentes.

Assim, o Código de Defesa do Consumidor traz, em seu artigo 2º, que “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.”.

Não obstante, o artigo 3º do mesmo código dispõe “Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.”.

Ou seja, a partir de uma breve análise da lei já é possível perceber que a Pessoa Jurídica tem assegurado o direito de valer-se dos benefícios criados pelo legislador que garantem aos consumidores a possibilidade de se equiparar a qualquer empresa, não importando se de grande ou pequeno porte, para que possam ver resguardados quaisquer direitos que, porventura, venham a ser agredidos em uma relação consumerista. Isso, nada mais é que a garantia da equidade nas relações de consumo.

Apesar disso, muito embora o legislador tenha garantido o direito da Pessoa Jurídica de utilizar os benefícios oferecidos pelo Código de Defesa do Consumidor, há uma condicionante, criada para evitar o uso indiscriminado de tais benesses e evitar privilegiar quem não necessariamente merecesse que sejam aplicados em seu favor, os mecanismos de proteção contidos no Código de Defesa do Consumidor.

A condicionante criada surge exatamente da caracterização do consumidor, como aquele que utiliza o bem ou serviço como destinatário final, bem como reza a lei. Essa condição imposta pelo legislador é nomeada pela doutrina especializada como “teoria finalista”.

Em que pese o Código de Defesa do Consumidor adote a teoria finalista como regra para caracterizar as relações de consumo, o judiciário brasileiro elastece esse entendimento ao adotar a teoria finalista aprofundada ou mitigada, que amplia o conceito de consumidor incluindo todo aquele que possua vulnerabilidade em face do fornecedor.

À vista disso, a Pessoa Jurídica pode valer-se da mitigação dos rigores da teoria finalista para ver autorizada a incidência do CDC nas hipóteses em que a parte, embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresente em situação de vulnerabilidade e, nos casos em que for Pessoa Jurídica, reempregue o bem como insumo, ou seja, não o recoloque no mercado de consumo.

Importante ressaltar que nestes casos, para aferição da existência da vulnerabilidade do consumidor, deverá restar evidenciado a hipossuficiência deste em relação ao fornecedor do produto ou prestador de serviço, sendo que essa hipossuficiência pode ser caracterizada como técnica, financeira, ou jurídica.

Técnica, por o consumidor não possuir conhecimento aprofundado quanto ao produto adquirido ou serviço contratado, ficando exposto aos vícios do produto e às propagandas enganosas ou abusivas.

Financeira, pela situação de desvantagem econômica geralmente observada nas relações entre o vendedor ou fornecedor e os consumidores.

E por fim a jurídica ou científica, observada nos casos em que a pessoa que adquire o bem não possui conhecimento jurídico, econômico, matemático, financeiro, entre outros, suficientes para poder, de forma prévia, se resguardar quanto a possíveis agressões ao seu direito.

Os contratos assinados sem a prévia leitura, por parte do adquirente do produto ou serviço, ou aqueles ditos de adesão, são bons exemplos para esta última modalidade de vulnerabilidade.

Assim, quando se fala na aplicação das práticas previstas no Código de Defesa do Consumidor, trata-se das práticas que evidenciam a vulnerabilidade da pessoa física ou jurídica, onde essas fazem jus à mesma proteção devida aos consumidores destinatários finais.

Nesse sentido, se apresenta julgado do Superior Tribunal de Justiça onde é tratado, justamente, da possibilidade de concessão das benesses conferidas pelo Código de Defesa do Consumidor, ante a aferição da situação de vulnerabilidade da parte que pleiteia a aplicação do CDC. A decisão se deu nos seguintes termos:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. TEORIA FINALISTA MITIGADA. VULNERABILIDADE. REVISÃO DO JULGADO. INVIABILIDADE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.

1. A alteração das conclusões adotadas pela Corte de origem implica, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto no enunciado n. 7 da Súmula desta Corte Superior. 2. A jurisprudência desta Corte tem mitigado a teoria finalista para autorizar a incidência do Código de Defesa do Consumidor nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade, o que foi configurado na hipótese dos autos. 3. Ademais, tendo o Tribunal local concluído com base no conjunto fático-probatório dos autos, impossível se torna o confronto entre o paradigma e o acórdão recorrido, uma vez que a comprovação do alegado dissídio jurisprudencial reclama consideração sobre a situação fática própria de cada julgamento, o que não é possível de ser feito nesta via excepcional, por força do enunciado n. 7/STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.

Importante ressaltar, ainda, que a vulnerabilidade da qual decorre a necessidade da aferição para a caracterização das relações de consumo, é prevista também pelo artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:

Ou seja, tanto o Código de Defesa do Consumidor quanto a jurisprudência pátria, cuidaram de garantir a proteção do consumidor deixando claro que ele é parte hipossuficiente em uma relação consumerista, assegurando a ele a proteção do estado quando necessária for tal medida.

II – Da possibilidade de reparação da Pessoa Jurídica por danos morais causados.

Uma discussão que surgiu dentro do meio jurídico, foi quanto à possibilidade de reparação da pessoa jurídica por danos causados a sua honra, o “dano moral”. Ocorre, como é cediço, que os entes dotados de personalidade jurídica não reúnem condições de experimentar sentimentos como aqueles que típicos dos seres humanos, como angústia, medo, tristeza, humilhação, etc.

Isto porque, a pessoa jurídica não possui um corpo físico tão pouco uma mente, sendo incapaz, portanto, de experimentar qualquer tipo de dor ou emoção.

Assim, alçou-se entre a doutrina especializada o animus de criar algo que preenchesse esse vácuo. Foi proposta então uma distinção entre honra subjetiva e honra objetiva a fim de se apurar a necessidade de pagamentos de valores a título de dano moral à pessoa jurídica.

A teoria formulada foi muito bem recebida dentro dos tribunais brasileiros, já no ano de 1996, foi alvo de acórdão do Superior Tribunal de Justiça, que através da relatoria do ministro Ruy Rosado de Aguiar, pontuou:

RESPONSABILIDADE CIVIL - DANO MORAL - PESSOA JURÍDICA - ADMISSIBILIDADE - INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE PROTESTA INDEVIDAMENTE TÍTULO CAMBIAL - FATO QUE ACARRETA CONSEQÜÊNCIAS DANOSAS DE ORDEM PATRIMONIAL À EMPRESA - OFENSA À HONRA OBJETIVA CARACTERIZADA - INDENIZAÇÃO DEVIDA - A honra objetiva da pessoa jurídica pode ser ofendida pelo protesto indevido de título cambial, cabendo indenização pelo dano extrapatrimonial daí decorrente. [...]A pessoa jurídica, criação da ordem legal, não tem capacidade de sentir emoção e dor, estando por isso desprovida de honra subjetiva e imune à injúria. Pode padecer, porém, de ataque a honra objetiva, pois goza de uma reputação junto a terceiros, passível de ficar abalada por atos que afetam o seu bom nome no mundo civil ou comercial onde atua. (STJ - 4º T; Rec. Esp. nº 60.033-2 - Minas Gerais; Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar; j. 09.8.1995; v.u. ementa., em BolAASP, 1970/77 - e, de 25.09.1996; RT, 724/123, Maio, 1996)

A tese que reconheceu a possibilidade da ofensa à honra objetiva do ente dotado de personalidade jurídica foi amplamente difundida com o passar dos anos, sendo, ainda hoje, parte integrante da jurisprudência das cortes superiores:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. DANO MORAL. PESSOA JURÍDICA. HONRA OBJETIVA. CONTRAFAÇÃO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. DISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. MANUTENÇÃO. PENA PECUNIÁRIA. DANO MATERIAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. SÚMULA Nº 284 DO STF. ART. 103, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 9.610/98. IMPOSSIBILIDADE DE IDENTIFICAÇÃO NUMÉRICA DA CONTRAFAÇÃO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. NÃO CONFIGURAÇÃO.

1. Toda a edificação da teoria acerca da possibilidade de pessoa jurídica experimentar dano moral está calçada na violação da honra objetiva, consubstanciada em atributo externalizado, como uma mácula à imagem, à admiração, ao respeito e à credibilidade no tráfego comercial. Assim, a violação à honra objetiva está intimamente relacionada à publicidade de informações potencialmente lesivas à reputação da pessoa jurídica. 2. No caso concreto, a ausência de comprovação de efetiva ofensa à honra objetiva da pessoal jurídica conduz ao não conhecimento do direito à compensação por danos morais.

Enxergando a necessidade de conceder mais respaldo e sustar divergências que eventualmente surgiam entre diferentes tribunais, a Corte Superior Brasileira editou súmula, sob o número 227 onde consolidou o entendimento de que “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.

Doutra banda, é preciso salientar que há a necessidade de comprovação de que tenha ocorrido a ofensa à honra objetiva da pessoa jurídica, pois apenas subsistirá o dever de indenizar nos caso em que restar prejudicado a imagem, o bom nome ou a reputação da empresa ou entes que pleiteiam tais valores.

Acerca do tema leciona Pablo Stolze em sua obra:

Questão a considerar, também, é a da extensibilidade dos direitos personalíssimos à pessoa jurídica. Não é dado no caso generalizar, para que tais direitos não se confundam, como os de índole patrimonial. É por isso que Santoro Passareli doutrina que a tutela dos direitos da personalidade se refere “não só às pessoas físicas, senão também às jurídicas, com as limitações derivadas da especial natureza destas últimas.

Na mesma toada, é consabido que para caracterização do dano moral relativo à pessoa jurídica é necessário que tenha havido ofensa a sua imagem e/ou ao seu bom nome comercial, que se consubstanciam em atributos “externos” ao sujeito.

Na mesma linha segue Carlos Alberto Bittar que preleciona:

As pessoas jurídicas têm direitos da personalidade como o direito ao nome, à marca, à honra objetiva, à imagem, ao segredo etc., por serem entes dotados de personalidade pelo ordenamento jurídico-positivo. Havendo violação desses direitos, as pessoas jurídicas lesadas poderão pleitear, em juízo, a reparação pelos danos, sejam patrimoniais, sejam morais. Tais direitos lhes são reconhecidos no mesmo instante da sua inscrição no registro competente , subsistindo enquanto atuarem e terminando com o cancelamento da inscrição das pessoas jurídicas.

Desta forma, para aferição do valor indenizatório a ser pago é preciso antes estar presentes os requisitos necessários a comprovação da ofensa à honra subjetiva da pessoa jurídica. E, em assim sendo, a empresa que pleiteia a reparação poderá considerar no cálculo dos valores indenizatórios, todos os princípios que norteadores da responsabilidade civil, com isso, deverá ser observado o caráter compensatório e reparatório, o caráter pedagógico ou punitivo da indenização por danos morais, a fim de dissuadir o ofensor a não retornar à prática da ação gravosa, bem como ensina Sílvio Salvo Venosa: No entanto, forma-se mais recentemente entendimento jurisprudencial, mormente em sede do dano moral, no sentido de que a indenização pecuniária não tem apenas cunho de reparação do prejuízo, mas tem também caráter punitivo ou sancionatório, pedagógico, preventivo e repressor: a indenização não apenas repara o dano, repondo o patrimônio abalado, mas também atua como forma educativa ou pedagógica para o ofensor e a sociedade e intimidativa para evitar perdas e danos futuros.

Na mesma toada, é imprescindível que o Poder Judiciário tome para si o papel de pacificador social e entregue a prestação jurisdicional mais adequada, relevando a imposição legal de proteger jurisdicionalmente quem vê em nele um meio de, não só buscar reparação pelos prejuízos sofridos, mas também de evitar que novos danos possam recair sobre eles.

Dever assegurado, inclusive, pela carta maior de nosso ordenamento jurídico, que em seu artigo 5º, inciso X dispõe: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”, e que não pode ser interpretado restritivamente por se tratar de direitos e garantias fundamentais da pessoa.

Nesse diapasão assevera Renan Kfuri Lopes:

A Constituição Federal não limita a extensão dos danos morais às pessoas físicas, e tão pouco exclui as sociedades do direito de pleiteá-los se presentes os requisitos legais e fáticos para sua exigibilidade [...] é dever do Estado proteger a honraria e dignidade das pessoas jurídicas, manuseando a tutela constitucional precitada (art. 5º, V e X), com o escopo de preservar a intimidade e o conceito frente ao mercado que trabalha, vedando a intromissão indiscriminada e irresponsável dos que achacam pormotivos torpes o seio da entidade dotada de personalidade jurídica ou mesmo representativa de uma determinada coletividade.

E nesse sentido, a indenização por dano moral deve representar para o prejudicado, satisfação capaz de amenizar de alguma forma o dano suportado, e ao causador, sanção e alerta para que não volte a repetir na prática da conduta lesiva.

À vista disso, deve ser levado em consideração na análise do valor indenizatório o caráter reparatório, compensatório e punitivo do dano moral, bem como a capacidade financeira da parte que atua no polo contrário da demanda e que autora da agressão que dá ensejo ao dano, tudo isso a fim de que se tenha uma prestação jurisdicional adequada.

Assim, quando restar evidenciado, através da dilação probatória, os prejuízos sofridos pela empresa ou outro ente dotado de personalidade jurídica, ter-se-á por inequívoco o dever reparação por parte do autor de todos os danos causados à honra da pessoa jurídica, tendo em vista que consubstanciada a possibilidade de esta ter afetada a sua imagem, seu bom nome e, por consequência, o seu patrimônio, ou seja, tudo aquilo que é entendido como a honra objetiva da empresa.

Sobre o Autor

Luiz Eduardo Mattos